Os sinos nunca tocam neste lado do monte (3)
O edifício em que Martie Schon vivia estava condenado à demolição há pelo menos cinquenta anos. Ele e o resto do quarteirão. Como sempre, o único elevador existente não funcionava. Tinha de subir oito andares, desgraçadamente!
Era um prédio do fim do século XX, quase uma relíquia arqueológica. A modificação mais visível que sofrera fora o reforço do piso térreo para evitar penetrações dos Ausless.
Ainda o quarto andar. Droga! Mas!?... Não passara já eu pelo quarto andar? Sim, lá estavam os cacos de uma garrafa estilhaçada que eu tinha visto um piso abaixo, no quarto andar. "Não, impossível, não estou louco!", pensei. Continuei a subir, ansioso por ver a placa que indicava o número do piso. Já a via! Quarto andar!! Não era possível! Simplesmente, não era possível! Subi os degraus três a três e foi ofegante que cheguei ao piso seguinte. Fechei os olhos com força antes de olhar a tabuleta: quinto andar! Finalmente! O que é que me acontecera, afinal? Subi os pisos que faltavam para o oitavo num passo rígido, esperando ansioso por cada placa.
Oitavo andar. Chegara. Andei pelo corredor até ao apartamento 105, toquei à campainha e aguardei.
- Paul, entra. Porque demoraste tanto tempo a subir?
Esbocei um sorriso quando respondi:
- Vim devagar.
- Bebe um copo desta coisa, Paul. Foi o Rijkaard que arranjou.
- Obrigado Justin. Halst!
- Halst!! – responderam em coro.
Procurei Martie.
- Martie, tens a certeza de morar no oitavo andar?
- É evidente que tenho!
- Há muitas crianças, no prédio?
- Algumas, mas todas legais. Porquê?
- Por nada, apenas curiosidade.
- Sempre o mesmo, Paul. – era a voz rouca de Magda que soara nas minhas costas.
- Foi a curiosidade que nos tirou das árvores. – respondi-lhe.
- Talvez lá estivéssemos melhor.
Sorri com a sua resposta.
Justin Beeliver voltou à carga, já meio cabeceante, renovando o nível de líquido no meu copo.
- Este material é do bom, hei, Paul?
- É sim, Justin. E tu estás a fazer-lhe as honras.
- Halst, Paul!
- Halst, Justin.
- Quem tem o copo vazio, quem é? – afastou-se com a garrafa meio vazia numa mão e um copo cheio na outra.
A festa animava-se, mas os cacos de vidro repetidos três vezes multiplicavam-se na minha cabeça e cortavam-me as ideias. Decidi beber muito.
Centenas de anos de progresso não tinham inventado uma cura para a ressaca. Talvez fosse necessária para não bebermos demais, mas no momento achava-a supérflua e a minha cabeça latejante concordava comigo. Os caracteres no écran do monitor pareciam não ter contornos definidos, e quando a dor na minha cabeça apertava pareciam contorcer-se de dor também. O meu turno só acabaria daí a uma hora, e quando a tarefa é desinteressante o tempo custa a passar. O meu trabalho só ganhava interesse quando algo avariava, e isso raramente acontecia. O resto consistia em olhar para um écran de monitor e ir confirmando que os diversos parâmetros do sistema estavam dentro dos limites de segurança.
Subitamente uma luz amarela acendeu-se no painel a meu lado e um tom puro de três mil ciclos por segundo, já meu conhecido de outras ocasiões, ecoou na pequena sala envidraçada. Digitei apressadamente no teclado:
- STOP LINE-4
"LINE-4 STOPPED – TIME 1321"
- SEARCH FOR ERROR CONDITION
"NO ERROR CONDITION"
Impossível! Olhei para o painel e lá estava a luz amarela, piscando. Além disso o som do alarme continuava a soar nos meus ouvidos, era impossível que não existisse um erro na linha de produção! O manual dizia: "Alarme Amarelo – erro no processo de produção. Efeito Final: deficiência grave no produto acabado = produto final defeituoso.". Raio de computador! Repeti o comando:
- SEARCH FOR ERROR CONDITION
"GASTASTE O TEU TEMPO. GASTARAM TODOS O VOSSO TEMPO"
O que era aquilo, escrito em grandes letras vermelhas no écran do monitor?
- Escrevi novamente 'SEARCH FOR ERROR CONDITION', e recebi como resposta 'NO ERROR CONDITION'. Que raio teria sido aquilo? Agora notava: o som cessara! Olhei para o painel: a luz apagara-se! Era muito estranho...
- START LINE-4
"LINE-4 STARTED – TIME 1317"
As máquinas da linha de produção 4 puseram-se em movimento e os braços robots reiniciaram a sua tarefa cíclica.
Apesar da aparente normalidade, eu estava mais aterrorizado que nunca: tinha a certeza quase absoluta que a hora indicada pelo computador fora 13.21. Como é que aparecia agora no écran uma hora anterior a essa? Negava-me a acreditar, embora o meu relógio corroborasse a versão do computador. Tinha a certeza que algo de anormal se passara.
0 Comments:
Enviar um comentário
<< Home